Sou uma alma encantada com o bater de asas das borboletas amarelas. Ganhei este espaço, através de um gesto de carinho. Gratidão! Aqui publico minhas gavetas; outros textos; idéias; insights; impressões pessoais sobre os movimentos humanos e também divulgo ações artísticas em seus mais diversos seguimentos de manifestações (seja no design, na literatura, artes visuais, artes cenicas, audio visual, arquitetura...etc). Seja bem vindo, eu o aguardava. Rio de Janeiro - Brasil
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Gaveta 6 - Alma Encantada com o Bater de Asas das Borboletas Amarelas
Miró
publicado 15 janeiro 2011
Todo Dia, a Vida Nossa de Cada Dia
No início do meu nono mês e apesar dos avisos de evitar sair só, hoje não teve jeito, acordara com um novo incômodo em meu estado, ligara para Dr. Ângelo que me acalmara de pronto, dizendo que em nossa última consulta que fora há dez dias passados, estava tudo bem comigo e com o bebê, inclusive até recebera parabéns pois conseguira controlar o peso que ganhara nos últimos meses não excedera o limite saudável, o que era muito bom para estes momentos finais e facilitara na hora do parto, portanto não deveria ser nada preocupante, mas que, de qualquer modo seria muito bom que eu fosse até seu consultório para que pudesse certificar-se pessoalmente de que tudo estava bem clinicamente.
Neste último mês me parecia que eu havia me estendido em todos os sentidos, me sentia enorme e o peso da minha barriga incomodava e dificultava meu andar. Este corpo que me abrigava não era mais o meu, mas sou eu.
As pessoas a minha volta passavam apressadas. Sós, em duplas, em trios... ou grupos ruidosos, algumas ao celular gritando. Eu podia definir movimentos e classes sociais só pelos vestuários saídos da tv ou de alguma revista adaptados para o dia a dia e para as ruas, eu adoro isso, esta diversidade de vontades, necessidades de estampas.
Um senhor elegante aguardava um pouco afastado e também como eu parecia observar o burburinho, ele destoava de todo aquele universo pela tranqüilidade que parecia possuir. Uma adolescente com suas unhas azuis lia uma revista (pensei na hora, um dia minha filha pareceria com ela. Seus longos cabelos lisos, seu piercing no nariz, meu Deus espero saber lidar com tanta informação). Às vezes eu saía da minha posição, e também me sentia observada com carinho por alguns, enquanto outros demonstravam pena ou rejeição mesmo, pela minha condição.
Sentindo uma pontada, saí de meu devaneio me trazendo de volta à realidade para entrar na massa em formação para entrada no trem, pela fresta de um hiato no tempo me sentindo sufocada, me percebi cercada por todos os lados, gente, gente...o ar ficou rarefeito e a pontada anunciada ressonou de forma mais intensa no colo de meu útero que a verbalizei num “Ai” talvez alto demais para meu gosto, levei minhas mãos instintivamente à barriga como para impedir algo de errado que pudesse acontecer e novamente gritei de dor e vergonha por também sentir que havia molhado involuntariamente a calcinha. Uma vertigem tomou conta de meu ser e tudo girou repentinamente, de repente me senti amparada, um braço me segurava pelas costas e uma voz chega calma e doce me pedindo que respire fundo...pude então sentir fisicamente que o ar a minha volta aumentava, como se um bom ventilador tivesse sido ligado e então respirei puxando o ar profundamente e tomei consciência de que todo meu corpo, alma e mente se preparavam para a chegada de minha filha, Ana.
Com certa dificuldade abri os olhos e vi a minha volta as pessoas um pouco afastadas, aguardam com expectativa, preocupação e posso sentir a solidariedade que emana aquele momento. Vi então que aquele braço que me amparava pertencia a um homenzarrão e que sua imagem tornava quase absurda a viabilidade de que aquela voz serena que me ajudara a voltar, lhe pertencesse.
Espantada, me senti agradecida por toda aquela atenção, a menina que antes eu observara cordialmente me abanava com sua revista, uma senhora parecia ter se tornado dona da situação (talvez fosse uma enfermeira ou mesmo médica aposentada), pedia que todos se mantivessem um pouco afastados e constatando minha situação ao ver a poça líquida que se formara a meus pés, pede para um garoto que chame o pessoal da ferrovia para atender-me, pois ela acreditava que eu já estava em processo de parto.
Depois de algum tempo a roda se abriu, quatro homens surgiram, um com uniforme da estação e três com roupas brancas (creio que eram paramédicos, uma equipe de resgate), portavam uma maca que rapidamente montaram e no três me colocaram nela com cuidado, aliviada começaram a me carregar pelo caminho aberto e pude dar e receber um último olhar àqueles estranhos que a vida nos aproximara de forma tão íntima. Questão de segundos, Eu podia sentir em cada vertebra que algo acontecera no meu modo de enxergar o outro e que também fora catalisadora de algo, uma mudança em cada uma daquelas pessoas que juntas vivenciaram comigo meus sustos.
O elegante senhor, também se aproximara para assistir e se necessário, talvez atuar em meu martírio, ele ainda mantinha seu olhar de observador, com uma informação a mais que eu precisaria de mais proximidade e tempo para ler. Ele talvez fosse um escritor e agora eu compunha o quadro em sua cabeça como mais uma personagem, mas não tão anônima...
Antes que pudesse concluir minhas divagações uma nova contração chegou e eu arqueando o corpo para trás, puxei o ar e busquei a respiração do cachorrinho que aprendera e disseram que seria uma arma contra a dor...um, dois, um, dois...respira clara, ai meu Deus eu quase não podia acreditar de tão surreal que tudo me parecia no momento, eu estava dando à luz em plena Estação da Luz, às 15 horas do inverno de 2007.
Fim
Jacqueline Durans
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