quarta-feira, 8 de junho de 2011

Gaveta 17 - Alma Encantada com o Bater de Asas das Borboletas Amarelas

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Para Carmem...





Esta hora da tarde, era um de seus momentos mais queridos, quando a luz parecia mágica e o tempo ter marotamente se alongado. Tempo que ela se permitia entregar-se as questões de sua inquieta e incauta alma.
Nesta manhã quando acordará com a companhia do canto dos pássaros, que pousados sob o parapeito de sua janela, pareciam sinalizar para o espetáculo que se descortinava lá fora. Um belo quadro vivo de seu jardim, onde acontecia uma festa colorida através de suas rosas vermelhas como o sangue da vida. As rosas brancas e pueris a lembravam de manter-se longe da malicia, dos disse-me-disse da corte humana. Haviam ainda, os amores perfeitos, o alaranjado das estreliças, as margaridas, as avencas que melancolicamente junto com os miosótis guardavam o movimento e os sons periféricos da vida que vibravam por um novo dia. 
Quando fora escolher seu traje para aquele dia, não tivera dúvidas e logo pegou seu vestido azul de seda, que possuía detalhes em renda e fitas, cor de creme. E, apesar dele delinear seu corpo quase como um vestido de festa, oferecia o conforto e a beleza necessária que pedia a manhã daquele dia que prometia suavidade.
Agora ali, em estado de êxtase, tomando seu chá de jasmim, que exalava delicado perfume e transmitia-lhe calor pelas pontas de seus dedos que abraçavam a xícara redonda de porcelana branca.
Longe de onde estava lhe pareceu ouvir seu nome...parecia que alguém a chamava...– “inhazinha...sinhazinha Carmem...” – Carmem voltando do seu estado de torpor e aprumando-se, percebe que está sentada na cadeira de balanço de seu quarto e vê que Ana (sua fiel escudeira, é quem a chama) e parecendo ouvir o nome de sua amiga Miquinhas, prontamente acorda.
                     Carmem – Pronto. Sim, Ana. Desculpe-me!
                   Ana – Eu que peço desculpas Dona Carmem, mas, é  que dona Miquinhas está lá na sala, e a aguarda.
                   Carmem – Tudo bem. Você lhe serviu um suco, uma água...?
                   Ana – Não, pois ela acabou de chegar e me pareceu aflita ao pedir que a chamasse e perguntasse se poderia ter um dedo de prosa com a senhora.
                  Carmem – Aflita...? (olhando pra jovem senhora a sua frente, que sacode os ombros em sinal de, não saber ao certo). Tudo bem Ana. Agora por favor, vá até a cozinha e prepare um chá como este que me serviu que por sinal está delicioso e garanto que se algum mal aflige Miquinhas, um chazinho deste só lhe fará bem...há prepare também uma porção com alguns petit-four e depois leve para dona Miquinhas e diga-lhe que já estou descendo.
                 Ana – pode deixar dona Carmem, vou fazer tudo direitinho. 
Carmem que já se encontrava no lavabo, volta-se para Ana, enxugando as mãos e lhe agradece. Ana, acena com a cabeça recebendo o cumprimento e sai agradecida. Carmem a observa e vê quando ela fecha a porta atrás de si, por um instante, só por um instante...Carmem divaga sobre aquela porta fechando-se na sua frente...da uma pequena sacudida de cabeça  e vai até o espelho. Por algum tempo estuda o rosto a sua frente, ajeita alguns fios de cabelo teimosos que caem do belo coque. Aplica pequenos beliscões na bochecha, que causam certo rubor em sua face, lhe dando um ar mais saudável. Feliz com o resultado final, ela constata que apesar dos 29 anos, dois filhos, ela ainda possui um “je-nese-que”, certo “savoir-eu-foire”!
Sai do quarto e caminha para a sala. Ao abrir a porta, vê a amiga próxima a janela olhando para fora, ao passar pela porta faz questão de fazer barulho ao fechar a porta pra avisar a amiga de sua presença. Miquinhas que ainda segurava a xícara de chá, vira-se para a porta e ao ver a amiga, deposita-a sobre um console próximo vai até Carmem que a espera com os braços estendidos. Abraçada a amiga e em pranto com lágrimas caindo sobre o rosto, declara em tom fatídico: - Estou na miséria, Carmem. Na miséria! O que farei minha amiga? Perdemos tudo. Sou uma miserável!
Carmem a acolhe por um tempo pensando na situação, depois amparando a amiga leva-a até um divã onde se sentam, ouvindo-a silenciosamente. Miquinhas ainda acolhida no colo de Carmem recebe um cafuné em sua cabeça e pontuadas palmadinhas pontuadas nas costas. Carmem como se ninando um bebe espera conscienciosamente que a amiga se acalme.
Silenciosamente, Ana previamente orientada por sua patroa, entrará na sala com uma bandeja portando uma jarra de suco de maracujá e copos, que depositara na mesinha ao lado do divã onde as jovens senhoras estavam. E, do mesmo modo que entrará ela saiu.
Então Carmem, emitindo doces silvos, trouxe a amiga para o tempo da sala, enquanto Miquinhas se arrumava alisando a roupa e enxugando as lagrimas com um lencinho que tirava de sua bolsinha, Carmem serviu dois copos de suco, um ofereceu a amiga e outro segurou para si. Miquinhas sorveu cada gole daquele suco como se aquele choro tivesse secado todo o liquido de seu corpo. Após o último gole, conseguia agora esboçar um arremedo de seu belo sorriso e seu olhar dizia o quanto sentia pelo incomodo que causava e agradecia por toda paciência. Carmem pegou o copo de suas mãos com a voz lúcida e firme disse: - Miquinhas, minha querida! Como pode dizer que é uma miserável?
Pegando sua mão entre as suas, Carmem continuou: Tenho certeza que esta crise financeira irá passar e vamos rir muito de tudo isso. sem falar nas riquezas que você possui naturalmente, minha amiga. Por acaso se esqueceu delas? Sua beleza, inteligência, um marido que a ama, seus filhos, nossa amizade e principalmente sua saúde. Sempre que penso em nossos finais de semana na fazendo não consigo deixar de sentir extremo deleite. Então, minha amiga?
Miquinhas não podendo conter recomeça o choro, mas agora um choro silencioso, um choro de resignação e lágrimas doces.
Enxugando as lagrimas da amiga, Carmem disse: - É a vida minha amiga. O mundo dos homens e não devemos perder a fé no divino! olhe (levantando-se, vai até uma escrivaninha posicionada num canto da sala, senta-se, pega uma cadernetinha numa gaveta, uma pena e o vidrinho de tinta), chamando a amiga para se sentar a seu lada enquanto começa a escrever uma estranha lista.
                  Carmem – Miquinhas, seus olhos são bons? Você enxerga bem?
Miquinhas sem entender direito responde que sim com a cabeça. Carmem continua e lhe pergunta qual o valor de seus olhos. Sem entender direito a pergunta e onde Carmem quer chegar, Miquinhas olhando para a amiga, sacode os ombros concordando.
                  Carmem – Bom (molhando a pena no tinteiro, escreve no papel o valor de vinte mil réis. Agora seus pulmões, como estão? Já ficou tísica ou próxima disso?
                  Miquinhas – Credo em cruz Carmem. Nunca tive nada, graças a Deus (fazendo o sinal da cruz).  Você sabe disso!
                 Carmem – Tá! Então vamos acrescentar mais cem mil réis pelo par.
Agora, vejamos os rins, como estão? Suponho que também estejam funcionando bem. Portanto vamos acrescentar mais cem mil réis por cada um. Afinal eles são os responsáveis por nosso                                    organismo funcionar bem. Certo.
Miquinhas, boquiaberta concorda com a amiga, que continua com sua lista, chegando ao final a um valor imensurável. Virando-se para a amiga, olhando firmemente em seus olhos marejados e finaliza: - Então minha amiga. Como você pode dizer que é miserável sendo dona de tamanho patrimônio? (Miquinhas solta o choro de forma copiosa.) Hem...?
As duas se abraçam. Enquanto isso um quero-quero, solta seu esganiçado “pedido” cantado, assustando as duas amigas. Num impulso as duas se levantam e vão até a janela olharem o pássaro. De repente, seus olhares se ampliam, elas em silencio observam, o pássaro, borboletas, outros pássaros, flores, o verde da grama, o céu. Um riso gostoso e continuo, chega tomando conta de seus corpos. Em cumplicidade passam pelas costas uma da outra um braço e por um tempo se deixam ali ficar, vendo o entardecer e o findar daquele dia.
Num rompante, Carmem se desvencilha da amiga e decide que, aqueles fatos pedem uma celebração e pegando um sininho, toca-o, logo Ana bate a porta e entra.   Carmem sorrindo, lhe pede que traga, pão, queijo de ovelha, licor de “apricot” e em tom confidencial comenta que se este tiver acabado, pode trazer o de jenipapo que seu Luiz tanto gosta. Pois ela e dona Miquinhas querem e devem comemorar as riquezas que possuem, principalmente a maior delas: a vida!

Jacqueline Durans

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