
O sétimo selo
ingmar bergman
publicado 12 janeiro 2011
Café Bistro
Antônio, apoiou as mãos sobre o balcão e suspirou de satisfação, olhando a sua volta, verificou que tudo se encontrava em seu lugar. O balcão de puro carvalho encerado, novamente brilhava e de tão limpo que estava, era possível ver-se no reflexo; No final deste, um vaso de cristal, com copos de leite frescos, acrescentavam beleza e luz à sobriedade do ambiente.
Fazia vinte anos que ele havia aberto o negócio. Na época sua mulher ainda vivia e o ajudava muito somando sua beleza à vida de Antonio e ao charme do Bistrô. Agora ela partira e seu filho único, que terminara o curso de engenharia, aceitara uma vultosa proposta que recebera para desenvolver um projeto para construção de um aeroporto nos Emirados Árabes, e foi “construir” sua história. Houve um tempo em que seu filho adorava ajudá-lo atrás do balcão, lustrando os copos e taças de cristal, observando a luz em caleidoscópio que se refletia através deles e alimentando as esperanças de Antônio de que, quando se fosse, ele assumiria o Bistrô. Mas tudo aconteceu tão rapidamente, de repente ele era um homem e suas escolhas eram outras... e tudo estava bem.
Cada pedacinho daquele espaço guarda tantas histórias pessoais e coletivas, memórias queridas, umas alegres outras tristes e hoje ele pode dizer que o Bistrô Ocasião é sua casa principal e seus clientes (fiéis freqüentadores de anos) sua família. Nas gavetas de sua memória, estas lembranças eram seus tesouros queridos. Por este motivo, cada dia ele saboreia com maior prazer este momento da tarde, pós-movimento do almoço, quando os clientes partem satisfeitos, felizes, alimentados em direção a seus destinos, deixando-o com a sensação de missão cumprida, então ele recomeça tudo de novo, organizando o “grande salão” para o dia seguinte, quando seus convidados chegam para se fartarem com o banquete da festa que foi preparada para recebe-los.
Após dar as ordens na cozinha, na copa, Antônio gosta de cuidar pessoalmente da reposição do açúcar nos açucareiros, do sal, do azeite... Checando assim os detalhes, que para ele fazem toda a diferença.
Afinal a competição não era mais a mesma, sua querida rua Magenta, tão reconhecida por ser um endereço da boa gastronomia, hoje já possuía, há uma quadra do Bistrô, um destes fast-food de uma grande rede internacional e o que era pior vivia cheio de jovens, fazendo Antônio pensar se no futuro haveria clientes para apreciar o sabor de seus temperos, seu filé a erva-doce tão procurado e o puro café que tanto caracterizava o Bistrô Ocasião.
Neste instante ele ouve o sininho que Joana, sua mulher, fizera questão de colocar na porta, igual ao de um pub em Notting Hill, onde se divertiram durante a lua de mel. Com um movimento de cabeça, olhou sobre o ombro, um homem entrava, vestido com uma calça cáqui e camisa sobre tom, carregado de uma máquina fotográfica pendurada no ombro direito e um jornal à mão. O cliente entrou, caminhou em direção a uma das doze mesas da casa. Escolheu rapidamente a mesa oito que ficava estrategicamente próxima à janela de onde se podia assistir o movimento da rua sem ser incomodado por seus ruídos, o que muito orgulhava Antônio. Este fora um dos itens que lhe renderá a quarta estrela de qualidade, no artigo de gastronomia do Diário da Cidade. O crítico fizera questão de dizer: - “O Bistrô Ocasião guarda dentro de suas paredes, além da boa comida e do excelente café do Antônio, uma doce sensação de aconchego, principalmente por sua iluminação não evasiva, o cheiro da madeira e suas paredes acústicas que nos isolam da ‘sinfonia sonora’ do cotidiano.
Com um sorriso de satisfação Antônio desperta de seu leve torpor de lembranças e se aproxima da mesa, então observa melhor que o homem não possui feições da região. Seria gringo? Antônio o cumprimenta e pergunta se deseja algo, ao que o homem responde que gostaria de um café puro. Antônio lhe oferece um croissant, uma torta para acompanhar. O homem recusa amistosamente, com um sotaque que não consegue identificar.
Antonio afasta-se para preparar o pedido. Logo o cheiro do grão do café sendo esmagado pela máquina e se transformando, começa a impregnar a casa tornando a atmosfera daquela tarde mais cálida e tranqüila. Antônio serve o café ao homem que interrompe a leitura do jornal e o agradece polidamente. Antônio se afasta, retomando suas tarefas.
No outro dia, por volta das quinze horas, novamente o sino toca e o mesmo homem surge pela porta, com um breve aceno de cabeça cumprimenta e se dirige para a mesma mesa que ocupara no dia anterior. Antônio se aproxima da mesa; o homem lhe pede um café e inicia a leitura do seu jornal e após mais dois cafés pede a conta e parte.
E assim passa a se suceder durante os dias seguintes, sempre às quinze horas, pontualmente, o sino da porta toca, o homem surge, entra e se dirige para a mesa oito, faz seu pedido, lê o jornal, permanece algum tempo a olhar para fora pela janela, pede a conta, que sempre soma três xícaras de café, paga em dinheiro e parte dizendo adeus, depois de permanecer no local por duas horas. Antônio tentara puxar conversa com o estranho, descobrir algo mais, de onde era, o que fazia na vida, sua história, sua presença na cidade até mesmo no país, mas este, sempre monossilábico e de forma muito educada dissimulava a conversa e voltava para seu café mostrando não estar disponível para conversas.
A presença diária daquele cliente em seu Bistrô trouxe para a vida de Antônio um acréscimo, uma pitada de tempero, colorindo suas tardes com fantasias. E como o Bistrô não abria aos sábados e domingos, ele não via o momento de chegar a segunda-feira e confirmar a presença do “Estrangeiro”, forma que escolheu para denominar o estranho cliente. Desde então, a curiosidade de Antônio não se cansava de criar e imaginar histórias fantásticas, algumas até bizarras sobre ele, o “Estrangeiro”. Seria um espião, afinal, defronte ao Bistrô ficava a Câmara de Comércio Internacional? Ou seria um solitário apaixonado que todos dias esperava o objeto de seu desejo sair de algum dos vários estabelecimentos à frente, para poder nutrir-se com um possível encontro? Ou ainda, um marido traído que seguia a esposa até seu ninho com o amante, aguardando e criando coragem, para no momento certo surpreendê-los? Ou mesmo um destes investigadores (chulos, mesmo!) em busca de um flagrante...?
Enfim as possibilidades poderiam ser infinitas e talvez chegasse o momento em que Antônio descobrisse a verdade sobre o Cliente das quinze horas do Bistrô Ocasião, ou não!
Fim
Jacqueline Durans
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