segunda-feira, 16 de maio de 2011

Gaveta 3 - Alma Encantada com o Bater de Asas das Borboletas Amarelas
















pablo picasso (fase azul e rosa)
publicado em 13 de janeiro 2011

O ULTIMO PASSEIO


Com meus dentes travados dentro de minha boca, uma náusea ululante dançando por todo meu corpo e na minha alma, caminho até o centro da pequena sala, onde repousa seu pequeno caixão branco, que como um relicário guarda seu delicado e santo segredo.


Neste instante todo meu ser chora o amor interrompido, provocando espasmos e não me permitindo articular palavra alguma, ou aceitar qualquer toque. Não quero parar de sentir esta dor do espírito. Minha nuca dói como se uma lâmina ali entrasse e se não bastasse a mão que a empunha ainda a girasse dentro de mim. O silêncio inocente dos domingos se perderá para sempre nesta maldição misteriosa e terrível lançada por uma cigana divina contra a natureza.

Nem sei há quanto tempo estou aqui, nem importa. Por alguns momentos fico olhando estes rostos que meu cérebro recebe de forma distorcida, como numa película de Fellini. Entre eles visualizo o rosto de minha irmã, nunca a vira tão transparente e branca como porcelana. Há medo em seus olhos, eu entendo este medo. Sempre religiosa e sua fé como um campo de força, sempre lhe deu a segurança de que nada de mal poderia nos acontecer e este fato em sua história a fazia duvidar de que Deus ainda estivesse e interviesse por nós. Sim, eu podia entender sua confusão.

Ontem à noite quando cheguei do hospital, cobri os espelhos da casa, desliguei das tomadas, o rádio, as tvs e guardei todos os relógios. É incrível como em circunstâncias cruciais em minha vida, minha avó ressurge como uma manifestação; sua sabedoria e tradições, algumas que nunca entendia e até tripudiava, fazem nestes momentos a diferença, me auxiliando a lidar com aquilo que não me é permitido.

E foi assim, com minha essência pegando fogo, que caminhei para o fundo da casa e fiquei observando a inocência da piscina, sua água azul e plácida; tentando me reorganizar, busquei lembrar como e quando tudo aconteceu. Não consegui. Por mais que buscasse compreender. Tudo continuava sem sentido. Que tipo de bem, lição, seja lá o que for, pode surgir de uma perda como esta?

O funeral transcorre silencioso, todos estão recíprocos e solidários com minha dor e eu me sinto num claustro emocional.
Minhas costelas doem, pego na alça de seu pequeno caixão, como se fosse sua mãozinha, respiro e me preparo para o último passeio nesta vida com meu filhinho. Meu amor.

FIM

Jacqueline Durans

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